quinta-feira, 7 de novembro de 2013

24/3/1936 - 08/11/2012


Olá vô, já viste como o tempo passa rápido?! Passou um ano e eu tenho imensas saudades. Queria que soubesses que gosto imenso de ti e que agora entendo o porquê de tudo ter acontecido como aconteceu.
A verdade é que naquela semana eu fiz de tudo para te ir visitar, mas por alguma razão nunca me deixaram, não sei se foi o destino, para que conservasse a tua imagem tal e qual como ainda hoje a tenho, não sei o porquê de não ter conseguido despedir-me de ti e dizer-te tudo aquilo que queria que soubesses e que ouvisses. Contudo, tenho a certeza que agora o sabes, que me ouves, só não sei se estás orgulhoso de mim.
A mudança e tudo o que aconteceu foi um choque, mas agradeço a uma entidade superior pelos 16 anos que convivi contigo, agradeço ainda mais os últimos quatro ou cinco anos, pois as minhas memórias mais bonitas datam essa idade e foram partilhadas contigo: Os natais, o último verão, as vezes que me protegias por ficar em chamada ou a ver televisão até tarde, as vezes em que adormecias no sofá e eu te dava na cabeça ou por não teres tomado os comprimidos a horas ou por não estares na cama, as vezes em que te calçava, e todas as vezes que me chamavas "noca", pensando que era a Ana que tinha chegado e quando te apercebias que era eu, pedias-me sempre a famosa "palheirinha" para beberes a tua água, ou para te ajudar a levantar, para te cobrir; as vezes em que tu e a avó discutiam por causa do espaço na cama e do calor, que eram as discussões mais cómicas que alguma vez ouvi, as vezes que chamavas pela "Maria" e eu ia ter contigo porque não queria acordar a vó e tentava, do meu jeito desajeitado, ajudar-te... Foram inúmeras as peripécias que tenho contigo, tuas, minhas e nossas. E eu confesso que mesmo passado meio ano eu ainda estava à espera que voltasses, mesmo sabendo que era impossível, pois apesar de ter passado esse tempo todo, chorava que nem uma perdida porque não sabia o que fazer, não tinha rumo muito menos direção. E tu não podias voltar e eu prendia-te aqui, a este mundo que te cansou, que abandonaste, mas que acredito que foi o melhor que fizeste, o melhor para ti. A morte não foi uma escolha, mas a solução. A solução mais dolorosa, a cicatriz mais profunda, a melindrabilidade do assunto em si é palpável. No entanto vô, fez-me crescer, ganhei algo que sei que nunca tive. Se foi difícil?! Tu sabes, porque tenho a certeza que viste, foi difícil ver-te na sala de jantar no Natal e depois tomar a consciência que não estavas mesmo lá, sentir a tua presença na cabeceira da mesa, sentir que estavas comigo foi tão bom e ao mesmo tempo tão triste. Passar pelo o teu quarto e ninguém me chamar, deitar-me na tua cama e sentir que estavas lá, só que eu não te podia tocar, não te via... Sabes vô, esta foi das primeiras "provas de fogo" a que fui submetida, ainda virão mais, e só de pensar na ideia, dói-me o peito, a alma, o que sou desaparece...
Há um ano tu, corporeamente, deixaste de existir, e mesmo que parte de mim tenha ido contigo, tu tornaste-me mais forte, mais capaz de ver o que me rodeia, a realidade eu que estou inserida, o mundo... E quero agradecer-te tanto por tudo o que ainda fazes por mim, porque és a minha estrelinha, a pessoa que olha por mim, que cuida de mim. Desculpa ter desistido de tudo quando tudo se passou, ter vacilado quando todos esperavam o contrário, apesar de tudo, cheguei aqui, estou aqui.
Fazes e sempre farás parte de mim, do meu sangue, do meu DNA, e quero que saibas que não há uma dia em que não me lembre de ti, do Homem de respeito, e sim, homem com h grande, porque tu eras o patriarca da família Sequeira, o Neca Alfredo (a tua alcunha aqui na freguesia), o meu avô, a quem eu chamava de bô e a pessoa que tinha um respeito enorme e um carinho ainda maior.
Sabes que a resposta à pergunta: "Gostas mais de mim ou do avô Santos?" continua a ser a mesma, porque foram ambos importantes para mim, tu não acompanhaste tanto o meu crescimento, mas sei que gostavas de mim desse teu jeito. Sabes que a "mais pequena" continua a ser forte, e se pudesse faria tudo de novo por ti, daria tudo para te ter aqui, para te poder abraçar e dar um beijinho na testa, como de costume - ainda te lembras do último beijinho na testa que te dei?! É incrível que ainda hoje me vêem as lágrimas aos olhos só de pensar naquele momento, quanto pousei os meus lábios na tua testa gélida, muito mais pálida que o habitual e reparei que não havia qualquer reação da tua parte, aquilo não era um pesadelo, era real e sabia que tinha que aceitar, mais tarde ou mais cedo. (Já na cerimónia, o que me custou mais foi ver o enterro, o desejo incontrolável de te tirar dali, de me levar para casa até acordares, um desejo inútil e inocente, mas eu não queria abdicar de ti.)
Por fim, eu sei que falo muito, mas acho que nem disse metade do que gostaria de dizer, quero que saibas que estamos bem, que continuamos a precisar de acreditar que estás aí e que nos guias, que gostamos muito, mas mesmo MUITO de ti, não é para ficar bonito, mas a verdade é que temos saudades e sentimos mesmo isto tudo. Éramos um todo, e sem ti algumas coisas já não fazem sentido, mas continuaremos a lutar por um lugar neste mundo, por aquilo que tu queríamos que fossemos, continuaremos a honrar-te. Só te peço que nunca me abandones, que continues aí mesmo que eu não precise, é que o reconforto de saber que depois da tempestade, de tudo o que se passou, eu consegui chegar onde estou, só se deve a ti. Eras e és um grande homem, um dos quatro homens da minha vida, sendo que o Scooby não pode estar integrado nesta categoria... Agora a sério, espero que me vejas, que estejas orgulhoso, que ouças aquilo que te digo quando te vou visitar, que sintas os beijinhos que dou a cada um das rosas branco pérola que te deixo, que me ilumines sempre e, o mais importante, que estejas bem, realizado, feliz pela geração que conduziu o teu legado ser o que é, apesar das complicações habituais.
Em suma, nunca te esqueças de mim, de nós todos, do que passamos, da vida que viveste e de tudo o que conseguiste somente com o teu esforço, lembra-te do meu papá que ainda se emociona e ainda te chama 'paizinho', lembra-te da sensação boa que crias em nós, mesmo que, infelizmente, não a possas sentir, vive connosco, porque tu estás aqui, com cada um de nós. Lembra-te do quanto me ria contigo e com a avó, lembra-te do meu beijinho na tua testa, lembra-te de tudo até o dia em que te volte a ver, espero, claro, que não seja assim tão cedo, apesar das saudades que já me são intrínsecas e que por incrível que pareça, crescerão mais. Lembra-te da tua família, pois como nos ensinaste, esta está em primeiro e lembra-te que mesmo que nem tu o que tu tenhas feito em vida tenha sido o melhor, recordar-te-emos como um dos melhores homens que já conhecemos, dos mais íntegros e fieis. Que eu lembrar-me-ei de ti, todos os dias, falarei contigo todos os dias e sei que cuidarás de mim. 
A vida é difícil, injusta e para mim, levou-te cedo demais seu teimoso, e cada traço teu, cada vez que assoavas o nariz, o modo como coçavas os olhos, o modo como andavas, falavas, tudo o que é teu estará em mim, e parte de mim estará sempre, para todo o sempre, em ti.
Beijinho muito grande, as saudades são muitas e tenho mesmo pena que não estejas, corporeamente presente em momentos importantes que estarão para vir na minha vida, mas sei que verás tudo. Gosto imenso de ti e obrigada por tudo vô.

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